Missão de evangelização que levou a fé cristã-católica a todo o extremo-sul baiano permitiu a criação, aqui, de dezenas de paróquias e duas dioceses; resultou também em uma importante contribuição à população local especialmente nas áreas de assistência social e educação.
No dia 23 de julho de 1960, há, portanto, 60 anos, o então bispo de Ilhéus, Dom Caetano, acompanhado dos freis capuchinhos: Calixto e Lindolfo chegou a Porto Seguro, num avião militar. Uns dois dias depois – não as sabe ao certo -, o frei Lindolfo e o bispo retornaram a Ilhéus, mas o frei Calixto ficou.
A vinda do grupo religioso à cidade, a segunda “incursão” dos frades capuchinhos ao extremo-sul baiano, visava iniciar uma missão que lhes fora confiada pela Conferência dos Religiosos do Brasil (CRB), para que se criasse nesta região, ainda quase inóspita, uma circunscrição eclesiástica, que poderia ser uma prelazia ou diocese.
A primeira “incursão” havia ocorrido em janeiro, em Caravelas, cidade prevista para ser a sede da circunscrição eclesiástica. Mas, ao contrário do previsto, o local onde a Missão seria instalada não estava vaga, ali viviam freis franciscanos, e após ficarem alojados por alguns dias no local, oks capuchinhos voltaram para Ilhéus, onde estavam hospedados, desde a vinda de Salvador – no final do ano anterior. Já se pensava, inclusive, na volta do grupo religioso, que tinha ainda os freis: Teodoro e Salvador, para a Província de Nápoles, Itália, de onde viera.
Sozinho ou acompanhado por um guia, o frei Calixto passou a visitar a pé ou a cavalo as pequenas povoações existentes no município, onde já haviam algumas irmandades do Apostolado da Oração, da Liga Católica, da Cruzada Eucarística e da Legião de Maria. Assim, foi retomada atividade pastoral cristã-católica no extremo-sul baiano, iniciada pelos jesuítas da Companhia de Jesus, ainda na primeira metade do Século XVI, mas que sofrera descontinuidade a partir da segunda metade do século XVIII, após os religiosos serem expulsos da então colônia, pela Coroa portuguesa.
Permanecendo em Porto Seguro, o frei Calixto – que aqui se encontrou com o também frei, Sabatino, que vivia no Arraial d’Ajuda - se contrapunha ao retorno à Itália, e assim, aguardava a decisão sobre a implantação da “missão”, que foi criada oficialmente em agosto de 1962, denominada de Delegação dos Capuchinhos de Nápoles. Nesse ínterim, o frei Lindolfo retorna definitivamente a Porto Seguro em dezembro de 1961, e depois, vêm os outros dois freis: Teodoro e Salvador.
A atividade pastoral dos frades, prevista inicialmente para ser circunscrita a Porto Seguro, se estendeu a Santa Cruz Cabrália e Guaratinga, levando àquela gente, as missas, sacramentos e pregações, preocupado que estava, o frei Calixto, com a presença de outros credos na região, como alertou à igreja, em relatório: “É necessário uma assistência espiritual ininterrupta, porque os Protestantes de todas as suas seitas, o Espiritismo, o Candomblé, a Legião da Boa Vontade etc. fazem grandes esforços para atrair o povo para a doutrina deles”.
Como resultado desse trabalho, foi criada a Diocese de Caravelas – mesmo antes da oficialização da delegação - em 21 de julho de 1962 – com território compreendido entre o rio Jequitinhonha e a divisa com o Espírito Santo -, desmembrada da de Ilhéus.
Em 1964, a Missão foi elevada à categoria de Custódia Provincial, com sede em Porto Seguro.
Em 1966 chegam mais missionários de Nápoles e outras regiões da Itália, que se espalham pelas cidades e povoados do extremo-sul baiano. Por esse tempo, já havia sido aberta a Casa de Eunápolis, pertencente à Fraternidade de Porto Seguro. O rápido crescimento da povoação levou a Igreja a transferir para o então povoado, em 1967, a sede da Custódia, que em 1970 foi elevada a Vice-Província, sob a jurisdição da Província de Nápoles.
Para auxiliar os frades, passaram a chegar à região, a partir de 1969, freiras missionárias. As primeiras, da congregação de São José de Chambéry, se instalam em Caravelas, mas depois se espalharam por Alcobaça e Eunápolis. Em seguida vieram as Irmãs Franciscanas de Dillingen, que abriram casa em Guaratinga; depois, as Servas do Sagrado Coração de Jesus, que se instalaram em Porto Seguro.
No início da década seguinte, a Vice-Província passou a receber os primeiros seminaristas brasileiros, e a partir de 1976, a enviar para São Paulo e a Itália os primeiros vocacionados da região, que se ordenam e retornam a partir de 1980 para o trabalho de evangelização. O primeiro foi o frei Dilson Santiago, ordenado em Nola (Itália). Outros frades de diversas regiões da Itália, como de Trento e Milão, e até de outros países europeus, também chegam para a região.
O rápido crescimento de Teixeira de Freitas levou a Igreja Católica a transferir para aquele povoado a sede da Diocese, em 1983. Assim, a diocese passou a ser denominada de Diocese de Teixeira de Freitas-Caravelas.
Aqui, na porção mais ao norte do extremo-sul, o desenvolvimento da Igreja Católica seguia. Em 8 de dezembro de 1985, o povoado de Eunápolis, então servido por encarregado ou vigário paroquial, ganha a Paróquia Nossa Senhora Auxiliadora. Na mesma data, Guaratinga também passou a sediar uma paróquia: Paróquia N. Sra. da Conceição. Em 5 de janeiro de 1989, é aprovada a criação de uma nova diocese, em Eunápolis, a Diocese do Descobrimento, com território desmembrado das dioceses de Teixeira de Freitas-Caravelas e Itabuna. Em 1991 é criada a Paróquia São João Batista em Itabela.
Enquanto se preparava a criação da nova diocese, a Cúria da Vice-Província e o bispo de Teixeira de Freitas discutiam com os capuchinhos um acordo, visando transferir a propriedade da Igreja Matriz e o prédio anexo, onde residiam os frades, para a diocese. Processo traumático, contrário à vontade dos religiosos, e por isso demorado, que custou muita negociação, por cerca de um ano, até que um acordo foi assinado, tendo a Diocese de Teixeira de Freitas se comprometido a construir um prédio no bairro Pequi, para onde se mudariam os capuchinhos. Em janeiro de 94, a Fraternidade de Eunápolis estava residindo no bairro Pequi.
Criada e instalada em 1996, a nova diocese absorveu as paróquias existentes em Porto Seguro, Santa Cruz Cabrália, Guaratinga e Itabela, pertencentes à de Teixeira de Freitas-Caravelas, e Itagimirim, Itapebi e Belmonte, pertencentes à de Itabuna.
Além de realizarem o trabalho de evangelização e disseminação da fé católica que permitiu a criação das paróquias e dioceses, os capuchinhos também colaboraram com a Igreja Católica criando comunidades, pastorais e ocupando o cargo de vigário em diversas paróquias – em razão da falta de padres da igreja: o frei Ricardo, que foi pároco em Itabela; o frei Giovanni Caponni, que foi pároco em Guaratinga; frei Edvaldo, pároco na Paróquia N. Sra. da Pena; frei Miguel, que foi vigário paroquial do Santuário N. Sra. d’Ajuda; e o frei Benigo, que foi pároco em Eunápolis e Porto Seguro, e Vigário Geral da Diocese.
Os capuchinhos também construíram seminário e igrejas. A que hoje é a Catedral em Eunápolis, a Igreja N. Sra. do Brasil em Porto Seguro e a de Guaratinga.
Em junho de 1999, em razão de uma reorganização que era imposta às circunscrições – inclusive das províncias da Europa -, por decreto da Cúria Geral, que entrou em vigor no dia 2 de agosto daquele mesmo ano, a Vice-Província de Caravelas foi agregada à Província da Bahia e Sergipe, depois extinta.
TRABALHO SOCIAL – Além do trabalho de evangelização que realizaram em todo o extremo-sul baiano, os frades capuchinhos possibilitaram – como já citamos - a vinda de religiosas de várias congregações que auxiliaram os freis na catequese, e ainda prestaram uma importante assistência às parcelas mais vulneráveis da população do extremo-sul baiano.
Como voluntárias ou participando de grupos comunitários ou pastorais, essas freiras - muitas delas, enfermeiras - prestaram assistência a doentes, ou trabalharam em postos de saúde; prestaram ao povo carente orientações sobre higiene e alimentação; as professoras deram aulas e exerceram orientação pedagógica em escolas. Porém, o trabalho dessas bravas mulheres não se limitou a isso. Criaram instituições assistenciais, como a Creche Vovó Vicência em Guaratinga, e a Casa de Recuperação Nutricional SOS Vida em Eunápolis. Entidades que salvaram muitas vidas.
Outra frente em que atuaram capuchinhos e freiras foi a da Educação. E resultou em importantes avanços, especialmente em Eunápolis. Aqui, os capuchinhos fundaram a Escola de Artesanato, Costura e Alfabetização para adultos, e a Escola N. Senhora Auxiliadora. Esta, aberta inicialmente (em 1971) para ministrar o primeiro grau, de forma gratuita, a crianças filhas de famílias de baixa renda, obteve em 1975, autorização para ministrar o curso ginasial. Era criado o Centro Promocional de Eunápolis (CPE), que em 1979 obteve autorização para ministrar cursos técnicos, como de Contabilidade, Auxiliar de Contabilidade, Assistente de Administração e Secretariado, se tornando uma das mais importantes escolas de Eunápolis.
Cumpriram os frades capuchinhos, com muita abnegação, sacrifício e fé, a missão que lhes foi confiada, que hoje, representa um importante capítulo na história regional, no que concerne à evangelização da fé católica, mas que também contribuiu para o desenvolvimento social de todo o extremo-sul baiano de uma forma geral.
*Teoney Guerra é jornalista provisionado (MTb 2166-BA)
LEGENDAS PARA AS FOTOS
PRINCIPAL, do Arquivo do Jornal Clarin - A hoje Catedral, igreja construída pelos capuchinos, na década de 1960.