Por: oglobo.globo.com
25/11/2021 - 17:55:13

Semanas antes da morte de Diego Maradona completar um ano, a Lazio, da Itália, usava dizeres simbólicos para criticar um trecho da série documental e biográfica “Maradona: a conquista de um sonho”. Em comunicado, o clube dizia que uma cena em que o personagem de Diego se refere ao clube como “os fascistas” não tinha apoio na realidade. “Afasta-se dos pensamentos do próprio Maradona, que mostrou em muitas ocasiões ser amigo da Lazio”, dizia o clube. Hoje, um ano após sua morte, Maradona segue envolto em polêmicas. Sua memória é alvo de disputas judiciais envolvendo clubes, família e advogados. Em comum, todos buscam a última palavra sobre que o "Pibe" diria, sentia ou faria.

 

FOTO :PILAR OLIVARES / REUTERSÁrea

“A conquista de um sonho”, produção da Amazon, foi a última grande obra sobre sua vida autorizada pelo próprio Maradona. O ex-jogador se mostrava animado em suas redes com o projeto, anunciado em 2019. A ideia era que o documentário estreasse em outubro de 2020, para comemorar os 60 anos de Diego. Mas a produção acabou adiada pela pandemia, e o ídolo morreu sem ter “se assistido" nas telas.

 Foto: VALERY HACHE / AFP

Isso não impediu que a série fosse rodeada de polêmicas. Segundo portais de notícias argentinos como o "Infobae", Diego teria deixado um documento explicitando momentos de sua vida e carreira que gostaria que fossem adaptados, muitos deles pessoais e controversos. A ex-esposa do craque, Claudia Villafañe, entrou na Justiça pleiteando a retirada de algumas cenas antes do lançamento. Filhas do craque com Villafañe, Dalma e Gianinna, as mais velhas de seus primogênitos, também nunca foram simpáticas à obra.

Foto: VALERY HACHE / AFP

— Não vou assistir. Até está disponível aqui na Itália, mas não tenho interesse — disse outro irmão, Diego Júnior, à imprensa argentina.

Os cinco filhos reconhecidos do craque, grupo que também tem Jana e Diego Fernando, são protagonistas de uma intensa batalha judicial pela herança, pelas marcas e , acima de tudo, pelo legado de Maradona.

 

Foram os herdeiros que criticaram o Napoli, clube do qual Diego é ídolo, por prestar homenagem com o rosto do ex-jogador em uma camisa de jogo. O motivo: um acordo com Stefano Ceci, um dos ex-agentes de Maradona, hoje rival judicial dos herdeiros.

 

— A camisa de homenagem ao meu pai é um motivo de orgulho, mas lamento a falta de consideração do Napoli. Nós, herdeiros legítimos, nunca estivemos envolvidos nisto e não demos o aval para esta operação — reclamou Diego Júnior.

 

Italiano, Ceci trilhou o caminho de muitos dos principais aliados de Diego em vida. De fã, passou a amigo, e de amigo, passou a gerenciar parte de seus negócios. Hoje, é um dos que briga pelo uso das marcas do Pibe. Recentemente, outro contrato negociado por Ceci sofreu um revés judicial. A Sattvica, empresa do advogado Matías Morla, moveu na Justiça uma ação pedindo a exclusão das imagens de Maradona do game “FIFA 22”.

Legado incerto

Morla fecha a tríade de lados envolvidos na grande disputa. É também o mais controverso desses personagens. Uma das últimas pessoas a se aproximar do craque ainda em vida e ganhar sua confiança, o jurista e empresário ganhou, em decisão recente da Justiça Argentina, 100% de controle sobre as marcas de Diego.

 

A briga nos tribunais é tão intensa e incerta que até a Copa da Liga Argentina, batizada de Copa Diego Armando Maradona em 2020, acabou tendo o nome do ex-jogador retirado para se evitar problemas judiciais.

 

Morla foi um dos vários ouvidos na investigação sobre a morte do ídolo — ainda com desdobramentos em andamento — e é desafeto público de Dalma e Gianinna. Foi proibido pelas duas de comparecer ao velório.

 

“Graças a Deus você não foi, porque as pessoas passariam e gritariam ‘assassino’ para você. Eu te salvei de um desgosto”, disse Dalma em postagem no Instagram, em dezembro.

 

Em seu depoimento mais recente, Morla acusou as irmãs de negligência e irresponsabilidade no tratamento do pai após a retirada de um hematoma subdural na cabeça.

 

Doutor em história comparada e pesquisador do Laboratório de Estudos em Mídia e Esporte da Uerj e do Sport-UFRJ, Alvaro do Cabo explica que o conceito de “enquadramento de memória” pode traduzir o que é passível de acontecer com o legado de Maradona nos próximos anos, em meio à disputa entre os herdeiros e os demais interessados. O conceito dá conta de uma frequente reconfiguração nas memórias sobre grandes eventos ou ídolos após suas mortes, caso de Diego. As novas perspectivas e a passagem do tempo estariam ligadas a essas transformações.

— Esse é um processo que vai continuar. Pode acabar trazendo um certo enquadramento de memória, dependendo de que lado tiver mais força para tornar sua versão verossímil.

 

Por outro lado, o professor acredita que a imagem de Diego como ídolo do esporte, propriamente, sofrerá menos com o passar dos anos.

 

— Para os amantes de futebol, do Maradona, os que o têm como ídolo... a imagem dele enquanto jogador espetacular e um ser humano muito particular na sua vida intensa sempre vai ser idolatrada, independente de quem ficar com o local de fala, quem ficar com o legado.

 

Na Argentina, a disputa judicial segue causando repercussão, em especial pelo conflito entre Morla e as irmãs, que agita as redes sociais. Mas o clima em nada abala a devoção pelo maior ídolo do futebol do país. No dia 31 de outubro, quando Diego completaria

— O público consome esse conteúdo, mas muito mais está voltado para a festa geral que sempre há para Maradona. Nos jogos, há aplausos aos 10 minutos, há homenagens em cada partida, murais são pintados em todos os lugares. Ou seja, é uma evocação contínua, mas sempre mais voltada para o ídolo que move as pessoas — diz Diego Macias, do jornal argentino "Olé".

 

Biografia e acervo

Maradona partiu sem deixar uma grande e centralizada biografia, mas inspirou filmes, documentários e trabalhos acadêmicos registrando seu tamanho para o esporte da Argentina. Parte de seu acervo, que inclui objetos pessoais, carros e outros bens com menor valor sentimental, será leiloado no próximo dia 19. O dinheiro arrecadado será repartido para que os filhos possam pagar as custas do processo de herança. No inventário do jogador, há até uma carta assinada por Fidel Castro, ex-mandatário de Cuba e seu amigo.

 

 Enquanto isso, Diego segue acumulando polêmicas em seu nome, mesmo no pós-morte. Algumas que mexem com o lado passional de seus seguidores, como a teoria de que teria sido enterrado sem seu coração, ou que nem sequer tenha sido enterrado. Outras, relativas a supostos filhos fora dos casamentos, que tentam seus reconhecimentos a tempo de entrar na partilha. Em uma acusação mais grave, a cubana Mavys Alvarez alega que Maradona a estuprou quando ainda era uma adolescente. O descanso eterno para um ícone ainda terá que esperar.

 


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