Numa folha qualquer de um caderno de rabiscos, Vitória Strada desenha um círculo preto. E com cinco ou seis retas, é fácil fazer um zigue-zague simétrico. Foi assim, numa “aquarela” de duas cores, que a atriz encontrou sua válvula de escape para a ansiedade, nos últimos 12 meses de distanciamento social. Uma das três protagonistas de “Salve-se quem puder” — novela que volta a ser exibida nesta segunda-feira (22), na faixa das 19h, na Globo —, a gaúcha de 24 anos afirma que os grafismos, além da terapia, foram a sua salvação nestes tempos estranhos.
Comprei um caderninho, umas canetas nanquim e comecei a desestressar. Tive que lidar com meus gatilhos na quarentena. Cada um encontrou seu modo de desopilar, e o meu escape foi desenhar. Quando percebo que estou ficando ansiosa, começo a traçar linhas, curvas, preencher espaços. Gosto da abstração, da geometria. Faço um primeiro rabisco e vou vendo no que aquilo pode dar, procurando um resultado esteticamente bonito — detalha ela, contando que, enquanto concedia esta entrevista à Canal Extra, também deixava a criatividade fluir no papel: — Isso me ajuda a me organizar mentalmente, respirar fundo, manter o foco no presente.
Do papel às unhas, Vitória também acabou se descobrindo uma talentosa nail artist. Passou a decorar seus pés e mãos com desenhos caprichosos, à base de esmaltes coloridos.
Quando estou fazendo uma personagem, meu visual tem que ser o dela. Mas em períodos de descanso eu consigo me reinventar. Pinto as unhas de cores diferentes quando quero, mudo o cabelo... Fiquei louríssima (depois de terminar as gravações da novela) e estou adorando! — afirma a atriz, que tem despertado a admiração de anônimas e famosas com suas habilidades manuais: — No réveillon, testei um animal print nas unhas, mas não levei muita fé. As pessoas ficaram curiosas, começaram a me perguntar sobre. Outro dia, no elevador, uma mulher elogiou minhas unhas. E Flávia Alessandra (a Helena de “Salve-se quem puder”) me ligou perguntando quem era a minha manicure, porque ela queria. (risos) Vou acabar abrindo um salão de nail arts! Ou então lançar uma coleção de roupas estampadas com os meus desenhos. Eu penso nisso, de verdade, para o futuro. Quero me arriscar.
Vitória também decora suas próprias unhas Foto: Reprodução de Instagram
Correr riscos foi o que Vitória mais fez na pele da atrapalhada Kyra, seu papel na trama escrita por Daniel Ortiz, com direção artística de Fred Mayrink. Só na primeira semana da novela, a personagem passa por um pouso forçado numa viagem a Cancún, depois que a fuselagem do avião é atingida por tiros disparados por ela mesma, num esbarrão com um bandido; sobrevive à passagem de um furacão no paraíso mexicano; e flagra um assassinato, na companhia das suas “novas amigas de infância” Alexia (Deborah Secco) e Luna (Juliana Paiva). Perseguido por criminosos, o trio é acolhido pelo Programa de Proteção à Testemunha e precisa trocar de identidade, de residência e de vida.
Quando a pandemia da Covid se instaurou no Brasil, em março do ano passado, apenas 54 capítulos dessa história tinham ido ao ar. Por isso, a emissora decidiu reexibi-la desde o princípio. As cenas inéditas, gravadas de agosto a dezembro sob protocolos de segurança, vão ser conhecidas pelo público só em fins de maio, segundo previsões.
Alexia (Deborah Secco) e Kyra (Vitoria Strada) enfrentam o furacão em Cancún Foto: Rede Globo/Divulgação
— O elenco comentava com Daniel (autor): “Esse nome da novela não é à toa, né?”. Traduz exatamente o que a gente está vivendo no mundo agora — lembra Vitória.
Como sugere o sobrenome da personagem, Kyra Romantini é extremamente romântica. A decoradora viaja ao México justamente para acertar os últimos detalhes da união com o empresário Rafael (Bruno Ferrari). Logo no primeiro capítulo, ela é pedida em casamento por ele num cenário inusitado: em meio a um engarrafamento, debaixo de um temporal. Para completar, com o susto da surpresa, a jovem joga, sem querer, a caixinha com as alianças direto no bueiro.
Kyra é pedida em casamento por Rafael em meio a um engarrafamento Foto: Reprodução/TV Globo
Ao gravar tais cenas, ainda em 2019, Vitória nem poderia imaginar, mas um ano depois também ficaria noiva. No último 31 de dezembro, num hotel na Bahia, a atriz foi convidada a posar para um vídeo mostrando seu look da noite. Uma forte luz em sua direção a impedia de enxergar o cenário ao redor do “desfile”. Aí, um dos cúmplices de Marcella Rica pediu que Vitória olhasse na direção da namorada, de 29 anos, que estava próxima a uma mesa decorada com a pergunta: “Casa comigo?”. Entre lágrimas e risos nervosos, Vitória pulou no colo da amada, lhe deu um beijo apaixonado e gritou: “Eu caso, sim!”. Curiosamente, na hora de colocar a aliança de brilhante no dedo, a atriz percebeu que ainda usava a da personagem!
— A verdade é que eu nunca me imaginei noiva tão cedo na vida. Nunca tive essa fissura com a instituição casamento, essa coisa do “preciso subir ao altar vestida de noiva”, como Kyra. Sempre pensei em ter uma profissão que me realizasse e, no âmbito do amor, encontrar alguém com quem eu tivesse um relacionamento saudável. Isso é muito mais importante pra mim. Já Kyra é assim: “O que você quer ser quando crescer?”. “Casada!”. Ainda criança, já colocava Branca de Neve e Cinderela na lista imaginária de convidados para o casório. Tem uma cena na novela, inclusive, com a mãe dela falando isso (risos) — compara.
O pedido de casamento no réveillon Foto: Reprodução de Instagram
Embora o pedido oficial já tenha acontecido, Vitória diz que ainda é cedo para planejar a cerimônia.
— A gente não tem pressa. A pandemia está aí, né? Esperávamos que neste ano já estivesse todo mundo se abraçando, e não é essa a realidade. Até podermos fazer alguma comemoração que reúna um grande número de pessoas, vai demorar bastante... Esses dias, uma amiga me perguntou se eu já tinha ideia de como queria o meu vestido de noiva. E eu ainda não tinha parado para pensar que noiva tem que se preocupar com essas coisas! Aí, abri o Pintrest e comecei a olhar vários modelos — relata, rindo de sua própria distração: — O irmão da Marcella se casou há pouco tempo e brincou: “Cuidado para não se separarem enquanto estiverem organizando a festa, porque não é fácil”. Eu sou zero estresse, odeio desentendimento. Não quero passar um ano inteiro tensa por um só dia feliz. Acho que a gente tem que ser feliz o tempo todo, senão não vale a pena.
Kyra, Luna e Alexia precisam trocar de identidades, pois correm perigo Foto: Reprodução/TV Globo
Vitória confessa estar mais ansiosa para arrumar as malas do que para seguir tradições.
— Já falei com Marcella: “Você não me inventa de convidar o Rio de Janeiro e o Rio Grande do Sul inteiros pro casamento! Não tem necessidade disso”. Quando tudo isso (a pandemia) passar, mais do que casar, quero viajar o mundo com ela. Tenho o sonho de conhecer Nova York, por exemplo. Ainda não decidimos onde será nossa lua de mel, mas já sabemos que este será o nosso primeiro destino juntas — sublinha a atriz, que já se considera casada: — A gente já mora junto há um ano e meio. Começamos a namorar e, em poucos meses, já estávamos sob o mesmo teto. E olha que somos librianas, teoricamente indecisas (risos).
Vitória exibe seu anel de noivado Foto: Reprodução de Instagram
Se a Astrologia indica que as duas têm muito em comum, elas contrariam a lei da Física que dita que os opostos se atraem e os iguais se repelem.
— Eu e a Ma somos parecidas no que eu acho bom que sejamos. Eu não conseguiria conviver com alguém que não fosse respeitosa e amorosa. E ela tem um coração enorme! A gente se identificou muito, logo de cara, pelos princípios. Quando um amigo em comum vinha falar com uma ou com a outra, a gente tinha a mesma maneira de acolher, de pensar. Para existir um relacionamento, eu acho que tem que haver identificação, algo a mais do que a atração. O que fez me apaixonar e querer que ela participasse da minha vida diariamente foi Marcella ter valores que eu admiro — expõe.
Com Marcella Rica: “Para existir um relacionamento, eu acho que tem que haver identificação, algo a mais do que a atração” Foto: Reprodução de Instagram
Ambas também workaholics, Vitória diz que a convivência com Marcella lhe trouxe um respiro:
— Somos extremamente dedicadas ao trabalho, mas ela sabe a hora e a importância de relaxar. Ma me ajudou nisso: a me permitir. Esse aprendizado melhorou o jeito de eu lidar com a minha ansiedade. E foi bom até para o meu ofício, porque artista precisa observar o mundo para ser abastecido de novas referências. Quando começamos a namorar, eu estava num momento em que não saía, só estudava, estudava, estudava. Ela me trouxe calma, me orientou para encontrar esse meio-termo saudável.
A chegada da carioca em sua vida, ela diz, foi avassaladora, como o furacão da novela: tirou tudo do lugar, ressignificou pensamentos e sentimentos.
Marcella e Vitória: librianas e workaholics Foto: Reprodução de Instagram
— Até então, eu só tinha me apaixonado por homens. Consequentemente, era isso que eu achava que fosse acontecer. Então, foi inesperado, mas não difícil. Se eu tivesse tido preconceito comigo mesma, teria sido mais complicado. Mas eu sempre fui muito de me observar, me analisar, dar um passo de cada vez para ser justa comigo e com o universo. Quando eu percebi que estava despertando esse sentimento em mim, a primeira coisa que fiz foi acolher, e não rejeitar. A partir daí as coisas foram fluindo naturalmente. Eu não virei outra pessoa, continuo a mesma. Apenas estou num relacionamento — ressalta Vitória, afirmando que em nenhum momento hesitou em torná-lo público por estar com alguém do mesmo gênero que ela: — O que me fez assumir esse namoro com uma mulher foi a mesma coisa que determinaria eu assumi-lo com um homem. Se eu tinha certeza que era com ela que eu queria construir uma história, por que não falar? Marcella não era só uma ficante. Da amizade, nasceu um amor.
O trio de garotas testemunha um assassinato, sem querer Foto: Reprodução/TV Globo
Paralelamente, a curiosidade sobre a vida pessoal da atriz foi ganhando maiores proporções:
— A mídia foi especulando, e eu decidi tomar as rédeas da situação. Acabei percebendo que o meu exemplo poderia exercer uma função social, ajudar outras mulheres.
Hoje, Vitória fala abertamente sobre sua bissexualidade para 2,1 milhões de seguidores no Instagram — e quem mais quiser ouvi-la.
— Sou muito bem recebida, no geral. Foi até uma coisa que me surpreendeu positivamente, porque ainda há um longo caminho a ser percorrido em relação à homofobia no Brasil. Ainda somos o país que mais mata LGBTQIA+ no mundo. E acho que com homens (gays) esse ataque é muito mais pesado. A gente sabe que muitos héteros sexualizam duas mulheres bonitas juntas — indigna-se.
Juliana Paiva, Deborah Secco e Vitória Strada: parceiras de cena Foto: Reprodução de Instagram
Nas caixinhas de perguntas dos stories de Vitória, lhe surgem as curiosidades mais invasivas. Fato que não a abala.
— Já me questionaram se eu não sentia falta de homem. E eu respondi na boa. A pergunta, em si, não foi agressiva. Agora, quando vêm com grosseria, passo batido. Trato como “spam”. Sabe aquela mensagem que o próprio servidor já reconhece como desnecessária? É isso — afirma a artista, ressaltando o lado positivo da comunicação virtual com seu público: — Recebo tanta mensagem pedindo conselhos, desabafando... Brinco que tenho um quadro no Instagram chamado “Declare o seu amor”, em que dou uma de cupido, marcando o @ do alvo. Isso movimenta a vida das pessoas que estão em casa se sentindo tristes, sozinhas. Elas se distraem e se divertem falando de amor. Tem coisa melhor? Amor é saudável, faz bem, é a cura para esses tempos de ódio.
Kyra entre dois amores: Alan ou Rafael? Foto: Reprodução de Instagram
Dois amores, duas amigas
Vitória gravou dois finais românticos para Kyra, que acaba assumindo a identidade de Cleyde e começa a se envolver com Alan (Thiago Fragoso). O relacionamento já estava caindo no gosto do público, nos últimos capítulos que foram ao ar.
— Estou doida para saber qual vai ser o desfecho escolhido pelo autor, se #alyra (Alan + Kyra) ou #kyrael (Kyra + Rafael). Como atriz, minha vontade é ver os dois. Até o fim da história, Kyra fica em dúvida, se questionando por que seus olhos brilham por Alan, se está comprometida com Rafael. Ela não pode se revelar, colocaria a vida do noivo em perigo. Não é nada simples — analisa a intérprete.
Também na parte inédita da novela, vai ter cena fazendo referência ao clássico “As panteras”.
— Brincamos que nós somos as Charlie’s Angels, Daniel (Ortiz) é nosso Charlie. Porque é bem isso, né? Três mulheres que começam a investigar sozinhas uma quadrilha. Eu, Deborah e Juliana nos unimos muito para cuidar uma da outra nesse trabalho. Mantemos um grupo só nosso de WhatsApp para falar sobre a gente, sobre “BBB”, sobre tudo. Aprendi e me divirto muito com elas! — revela.